Os convertidos que mudaram a Igreja
Clérigos nascidos judeus forçaram as reformas do Concílio Vaticano II
Por John Connelly
Há cinqüenta anos, cardeais de todo o mundo reuniram-se em Roma em
Concílio para "atualizar" a Igreja, e modernizar o seu discurso para
responder mais diretamente ao mundo moderno. Após três anos de
deliberações, esses príncipes da Igreja votaram e aceitaram as
declarações que permitiram aos fiéis assistir à missa em seus
próprios idiomas, incentivando a leitura das Escrituras e sugerindo
aos católicos olhar as outras religiões como outras fontes da
Verdade e da Graça. O Concílio refere a Igreja como "o povo de
Deus", e sugeriu uma ordenação mais democrática das relações entre
os cardeais e o Papa. Também foi aprovada uma declaração sobre as
religiões não cristãs, conhecida por seu título em latim, Nostra
Aetate (O nosso tempo). O artigo de número quatro dessa
declaração, uma declaração sobre os judeus, provocou sérias
controvérsias, e várias vezes esteve para ser anulado, devido à
forte oposição da parte de
cardeais mais conservadores.
Nostra Aetate afirmou que Jesus, a sua mãe e os apóstolos eram
judeus, e que a Igreja teve a sua origem no Antigo Testamento. Ela
discorda e nega que os judeus tenham sido responsáveis pela morte
de Jesus Cristo, e condenou todas as formas de ódio, incluindo o
anti-semitismo. Citando a Carta de São Paulo aos Romanos, a
declaração
Nostra Aetate refere-se aos judeus como "os mais amados
por Deus". Esta afirmação hoje pode soar apenas como uma pequena
frase, mas ela já provocou uma profunda revolução no
magistério católico.
Apesar da oposição dentro do Vaticano, alguns bispos não queriam
silenciar sobre os judeus, e quando a votação desse documento foi
interrompida, em maio de 1965, um desses prelados explicou as razões
pelas quais deviam insistir: "Neste contexto histórico de seis
milhões de judeus mortos, se o Concílio que ora se realiza,
vinte anos depois daqueles fatos, permanecer em silêncio sobre eles,
então deveria ser inevitavelmente evocada a reação expressa por
Hochhuth em O vigário." Ele estava se referindo à peça do
dramaturgo Rolf Hochhuth, sobre o alegado silêncio de Pio XII diante
do Holocausto, e que não seria mais essa a Igreja em que ele
desejava viver.
A dificuldade era que eles não possuíam qualquer argumentação
própria com a qual pudessem vencer a relutância dos seus oponentes.
As disciplinas acadêmicas, como a Teologia, são um emaranhado
complexo, com cada uma das suas espinhosas especialidades fechadas
em confrarias de eruditos. Aqueles que quisessem entender as
complexidades das relações da Igreja com os judeus, precisaram
estudar a fundo Escatologia, Soteriologia, Patrística, o Antigo e o
Novo Testamentos, e toda a história da Igreja e de todos os seus
períodos. Esses padres convertidos, formaram pequenos grupos de
peritos que estudaram o suficiente para acumularem estas incomuns
qualificações intelectuais e levarem a cabo a sua tarefa.
Como descobri, enquanto pesquisava para o meu livro recentemente
publicado, De Inimigo a irmão: a revolução no magistério católico
sobre os judeus, 1933-1965 (Harvard University Press, 2012)
esses especialistas não iniciaram o seu trabalho em 1960. Verifiquei
que de postos avançados, desde a Áustria e da Suíça, eles tentavam
formular argumentos cristãos contra o anti-semitismo sob a sombra do
nazismo já anteriormente há três décadas. Eles não eram figuras tão
representativas do catolicismo, como podemos imaginar. E não eram só
estes centro-europeus, com coragem para resistir a Hitler,
como diziam, mas a maioria deles não tinha nascido católica. Os
católicos que lograram levar o Vaticano a reconhecer a continuidade
da "santidade do povo judeu", eram todos recém conversos,
vindos de famílias judias.
O mais importante deles foi o Mons. Johannes Oesterreicher, nascido
em 1904 na casa do veterinário judeu Nathan e da sua mulher, Ida, no
Stadt-Liebau, uma comunidade de língua alemã ao norte da Morávia.
Ainda criança ele já participava de grupos de escoteiros sionistas,
e foi representante dos alunos judeus em sua escola. Mas, depois por
razões que permanecem inexplicáveis (mais tarde ele disse que "se
apaixonou por Jesus Cristo") Oesterreicher mostrou grande
interesse por textos e escritos cristãos (Cardeal Newman,
Kierkegaard e os próprios Evangelhos) e sob a influência de um padre
(depois torturado pelos nazistas, Max Josef Metzger) tornou-se
católico e sacerdote. No início dos anos de 1930 assumiu a Diocese
de Viena para a conversão de judeus, na esperança de trazer a sua
família e amigos para a Igreja. Nisto, o seu sucesso foi nulo, mas
logrou significativa influência junto a outros intelectuais
católicos, para que cerrassem fileiras contra o racismo nazista.
Oesterreicher via esse racismo no trabalho dos principais
intelectuais católicos, que ensinavam que os judeus eram racialmente
condenados e, como tal, não poderiam receber a graça do batismo.
Entre os seus amigos nessa empreitada havia outros judeus
convertidos, como o filósofo Dietrich von Hildebrand, o teólogo Karl
Thieme e o filósofo político Waldemar Gurian. Em 1937, Gurian,
Oesterreicher e Thieme escreveram uma declaração contra os racistas
católicos, argumentando que os judeus mantinham uma "santidade
especial". Embora essa declaração tivesse sido publicada como
"magistério ortodoxo", não levava a assinatura e nem a chancela de
nenhum cardeal, e muito menos a do Vaticano.
Oesterreicher fugiu para a França em 1938 quando os nazistas
entraram na Austria, e continuou a trabalhar a partir de Paris na
radiodifusão em língua alemã para o Reich, tentando convencer os
alemães de que Hitler era um "espírito imundo" e "o
antípoda em forma humana", e descrevendo os crimes nazistas
cometidos contra os judeus e poloneses. Na primavera de 1940, quase
foi capturado por uma equipe avançada da Gestapo, mas escapou
através de Marselha e Lisboa e viajou para Nova York e, finalmente,
para a Seton Hall University, onde se tornou o principal
especialista de relações entre os judeus e a Igreja Católica da
América.
Oesterreicher foi deixando de lado a sua abordagem "missionária"
para judeus, e cada vez mais veio definindo o seu trabalho como
"ecumênico". Ele e outros convertidos como ele, trabalham para
fundamentar a crença na vocação do povo judeu nas escrituras
cristãs. Se a batalha antes da guerra era contra as suposições do
racismo nazista, ele agora assestou a sua mira contra as crenças
profundamente enraizadas do anti-judaísmo católico. No período
anterior, antes e durante a guerra, os judeus convertidos
argumentavam que, sim, que os judeus podem ser batizados; mas agora,
mesmo que continuem a acreditar que os judeus devam ser batizados
para se livrarem da condenação por rejeitarem a Jesus, esses
pensadores começaram a questionar a própria condenação pela negação
do Cristo.
Se a história tem sido uma série de ensaios enviados para punir os
judeus por não aceitarem Cristo, então qual o foi significado de
Auschwitz? Teriam sido os nazistas instrumentos da vontade de Deus,
e destinados a obrigarem os judeus a finalmente voltarem para
Cristo? A resposta positiva a esta pergunta é qualquer coisa de
obsceno, mas foi a única resposta apresentada pela teologia católica
a partir de 1945. Nos anos que se seguiram, esses convertidos
tiveram que encenar uma revolução no Vaticano e introduzir grandes
mudanças numa Igreja que afirmava ser imutável. Eles conseguiram
isso deslocando o magistério da Igreja e o catecismo para a Carta
de Paulo aos Romanos, capítulos 9-11, onde o apóstolo, sem falar
do batismo, ou da conversão, proclama que os judeus continuam sendo
"o povo muito amado por Deus" e que "todo o Israel será
salvo".
Como Oesterreicher, os pensadores que ajudaram a desenvolver esse
trabalho intelectual, que preparou a revolução no seio da Igreja, em
sua esmagadora maioria eram judeus. Logo após a guerra, Thieme, um
sobrevivente do Campo de Concentração Gertrud Luckner, juntou-se a
eles para publicar Rundbrief Freiburgerr no sudoeste da Alemanha,
onde fizeram avanços teológicos cruciais no caminho para a chamada
conciliação entre católicos e judeus. Em Paris, o Rev. Paul DeMann,
um judeu húngaro convertido, começou a publicar a revisão dos
Sioniens Cahiers e, com a ajuda do companheiro, converte Geza
Vermes e Renée Bloch, e ainda introduziu críticas ao anti-judaísmo
nos catecismos de escolas católicas.
Em 1961 Oesterreicher foi convocado para trabalhar nas
comissões do Concílio Vaticano II encarregadas de discutir a
"questão judaica", o que veio a ser a questão mais difícil a
enfrentar. Em um momento crítico, em outubro de 1964, os padres
Gregory Baum e Bruno Hussar juntaram-se a Oesterreicher na montagem
do que se tornou o texto final do decreto do Concílio sobre os
judeus, e aprovado pelos cardeais um ano depois. Como Oesterreicher,
Baum e Hussar eram católicos convertidos de origem judaica.
Eles estavam reavivando uma tendência desde o Concílio Vaticano I,
em 1870, quando, já naquela época, o Lemann Brothers — judeus que se
tornaram católicos e prelados da Igreja — apresentou um projeto de
declaração das relações entre a Igreja e os judeus, afirmando que os
judeus "são sempre muito queridos de Deus" por causa de seus
pais, e porque Jesus Cristo descendeu deles "segundo a carne".
Sem esses convertidos ao catolicismo, ao que parece, a Igreja
Católica jamais teria "imaginado o seu caminho" fora dos
desafios do anti-judaísmo racista.
O grande número de judeus convertidos, como Oesterreicher, entre os
católicos que se opunham ao anti-semitismo, faz sentido: Na década
de 1930 eles foram alvo do racismo nazista que havia perpassava na
Igreja e que não puderam evitar. Em contrapartida, foram inclinando
as concepções católicas em direção ao seu próprio universalismo,
enfatizando certas passagens da Carta de São Paulo aos Romanos,
o que abriu as portas da Igreja para um novo olhar sobre povo judeu.
E quais foram então as suas motivações para o seu envolvimento após
a guerra? Em uma análise generosa do meu livro no The New Republic,
Peter Gordon sugere que a disposição dos convertidos para defender o
outro, o não convertido, foi impulsionado por uma preocupação com o
seu próprio eu. Eles haviam mantido um senso de si mesmo como judeus
na Igreja Católica. Gordon nos lembra do ceticismo de Sigmund Freud
sobre a possibilidade do amor ao outro. No amor verdadeiro, Freud
acreditava que "sempre este esteve envolto no narcisismo: ele não
é o outro a quem eu amo, mas eu mesmo, ou pelo menos é só a
qualidade que no outro se assemelha a mim, ou se assemelha à pessoa
que eu era antes." No entanto, em Oesterreicher vemos uma
solidariedade permanente com a comunidade (judia) uma vez que era a
sua comunidade, e mais diretamente, a sua própria família. Em
1946 ele refletiu sobre o destino de seu pai que morreu de pneumonia
em Theresienstadt (sua mãe mais tarde foi assassinada em Auschwitz).
Ao contrário do postulado de que não há salvação fora da Igreja,
Oesterreicher não se desesperou por seu pai. Nathan Oesterreicher
tinha sido um homem justo, para quem o "bem-aventurança dos
pacificadores" é aplicada. Se Oesterreicher, o filho, foi um
narcisista, ele poderia aliviar os seus temores na crença de que foi
salvo pelo batismo. No entanto, o amor intenso e a saudade de seu
pai judeu, começou a sugerir-lhe a possibilidade de que os judeus
poderiam ser salvos como judeus.
Foi a duradoura graça dessas conversões que levou a Igreja a
reescrever a sua doutrina sobre os judeus e a alargar o seu sentido
de solidariedade familiar para nós, judeus e cristãos. Em 1964,
Oesterreicher trabalhou em partes da declaração Nostra Aetate,
segundo as quais a Igreja não fala mais de "missão para os judeus",
mas aguarda o dia em que "todos os povos a uma só voz e ombro a
ombro, se aproximarão do Senhor para servi-lo" (a última frase é
tomada de Sofonias 3:9.) Com esta nova doutrina, a Igreja
experimenta transformar o outro em sí mesmo, e agora
católicos ou judeus envolvidos nesse diálogo cristão-judaico não
precisam se converter. Eles já vivem sob o novo entendimento de que
os judeus e os cristãos são irmãos. Os convertidos cruzaram uma
fronteira para o outro lado, enquanto que, em algum sentido mais
profundo, guardam a sua própria identidade, mas reconhecendo a
legitimidade, de fato a bênção, de nossas diferenças, o que ajudou a
derrubar o muro que separava judeus e cristãos.(*)
OBSERVAÇÕES:
(*) É admirável, e escandalosamente significativo, que o estudo e as pesquisas acadêmicas do Prof. John Connelly, sobre a insidiosa infiltração judaica no Vaticano, que subverteu doutrinas milenares da Igreja e lhe corroeu e sabotou a pastoral e evangélica relação com os seus fiéis, tenham lhe sugerido, para a "cândida" conclusão da sua tese, a ladina falácia da "legitimidade de nossas diferenças, o que ajudou a derrubar o muro que separava judeus e cristãos", numa desaforada inversão da realidade e cínica astúcia, simulando desconhecer a trama há tanto tempo cavilada nos porões do judaísmo:
"Quando vier nosso reinado, não reconheceremos a existência de nenhuma outra religião a não ser a de nosso D_us único, com a qual nosso destino está ligado, porque somos o Povo Eleito, pelo qual esse mesmo destino está unido aos destinos do mundo. Por isso devemos destruir todas as crenças. Se isso faz nascer os ateus contemporâneos, esse grau transitório não prejudicará nossa finalidade, mas servirá de exemplo às gerações que ouvirão nossas prédicas sobre a religião de Moisés, cujo sistema estóico e bem concebido terá produzido a conquista de todos os povos. Faremos ver nisso sua verdade mística, em que, diremos, repousa toda a sua força educativa. Então publicaremos em todas as ocasiões, artigos em que compararemos nosso regime salutar com os do passado. As vantagens do repouso obtido após séculos de agitação porão em relevo o caráter benéfico de nosso domínio. Os erros das administrações dos cristãos serão descritos por nós com as cores mais vivas. Excitaremos tal repugnância por eles que os povos preferirão a tranqüilidade da servidão aos direitos da famosa liberdade que tanto tempo os atormentou, que lhes tirou os meios de vida, que os fez serem explorados por uma tropilha de aventureiros, os quais nem sabiam o que estavam fazendo. As inúteis mudanças de governo a que impelimos os cristãos, quando minávamos seus edifícios governamentais, terão de tal jeito fustigado os povos que estes preferirão tudo suportar de nós ao risco de novas agitações. Sublinharemos muito particularmente os erros históricos dos governos cristãos que, por falta de um bem verdadeiro, atenazaram durante tantos séculos a humanidade, na busca de ilusórios bens sociais, sem dar fé que projetos somente faziam agravar, ao invés de melhorar, as relações gerais da vida humana.
"Nossos filósofos discutirão todos os defeitos das crenças cristãs, mas ninguém poderá discutir jamais nossa religião, de seu verdadeiro ponto de vista, porque ninguém a conhecerá a fundo, salvo os nossos, que nunca ousarão trair seus segredos.
"Nos países que se denominam avançados, criamos uma literatura louca, suja, abominável. Iremos estimulá-los ainda algum tempo após nossa chegada ao poder, a fim de bem fazer ressaltar o contraste de nossos discursos e programas com essas torpezas. Nossos Sábios, educados para dirigir os cristãos, comporão discursos, projetos, memórias, artigos, que nos darão influência sobre os espíritos e nos permitirão dirigi-los para as idéias e conhecimentos que quisermos impor-lhes."
Capítulo XIV, Os protocolos dos sábios de Sião
Tradução de Gustavo Barroso
Editora Civilização Brasileira
Rio de Janeiro, 1936